(Artigo publicado originalmente em http://www.thenational.ae/thenationalconversation/comment/israels-similarity-to-south-africas-apartheid-is-more-than-skin-deep#page2 )
Tradução ao português de zeforni@blogspot.com
A medida que o
mundo reflete sobre o legado de Nelson Mandela e sua luta contra o apartheid na
África do Sul, algumas pessoas se recordam de sua famosa observação: “Sabemos muito bem
que nossa liberdade está incompleta sem a liberdade dos palestinos”.Esse vínculo especial entre os povos e sua lutas nacionais contribuiu para aumentar os esforços sul-africanos para questionar os contínuos abusos dos direitos humanos e a sistemática discriminação a que são submetidos os palestinos.
Há algumas
semanas o embaixador da África do Sul em Israel aproveitou a oportunidade de
sua partida para criticar as políticas israelenses como “uma réplica do
apartheid”. Ismail Coovadia também rechaçou uma homenagem de 18 árvores
plantadas em seu nome pelo Fundo Nacional Judeu, uma organização que tem
desempenhado um papel importante nos deslocamentos dos palestinos.
Não são muitos
países que tem embaixadores que falem de suas políticas em termos de apartheid.
Vindo de um diplomata sul-africano respeitado a afirmação é ainda mais
dolorosa. É um reflexo de como os políticos da África do Sul e da sociedade
civil adotam cada vez mais a solidariedade com os palestinos e tomando a
dianteira em termos de BDS (Boicot, Desinversión y Sanciones) [1]
e iniciativas relacionadas
Pretoria tem exigido a rotulagem dos produtos dos
assentamentos apesar de uma importante pressão para não faze-lo. Também tem
havido notáveis expressões de apoio ao boicote palestino nas universidades e
nos sindicatos.
Isto acontece enquanto as
políticas de Israel para os palestinos são qualificadas, cada vez com maior
frequência, em termos de apartheid pelos observadores na Palestina e Israel e
no âmbito internacional.
Na África do Sul existe uma
recordação da histórica relação de Israel com o regime do apartheid. (Um ponto
de referência excelente sobre o tema é o livro The Unspoken Alliance:
Israel’s Secret Relationship with Apartheid South Africa de Sasha Polakow-Suransky)[2]
A relação de Israel com o
regime do apartheid começou em meados dos anos 1970 com o intercâmbio de
tecnologia militar e inteligência. Para alguns funcionários de ambos ao lados,
havia também um componente ideológico. O primeiro ministro sul-africano Hendrik
Verwoerd, por exemplo, afirmou que os judeus tornaram Israel dos árabes depois
que os árabes haviam vivido ali durante 1000 anos. Israel como África do Sul, é
um estado de apartheid.
Durante um período de cerca de 15 anos, exemplos da
estreita relação incluiram um pacto de 1975 assinado por Shimon Peres e o então
Ministro de defesa Sul-Africano PW Botha e a colaboração da indústria de defesa
de Israel do regime do apartheid para evitar sanções internacionais. "A
colaboração com o regime racista da África do Sul" por Israel, foi
condenada na assembleia geral da ONU.
No entanto, o que realmente
atingiu muitos na África do Sul e em outros lugares, são as semelhanças entre o
sistema do apartheid lá estabelecido e as políticas atuais de Israel para com
os palestinos.
Em 2002, o arcebispo Desmond Tutu
escreveu um artigo chamado Apartheid na Terra Santa e disse que em sua
recente viagem à Israel/Palestina tinha recordado "muito o que aconteceu
para nós com os negros na África do Sul". Em 2007, o relator sobre os
direitos humanos das Nações Unidas, John Dugard, professor de direito da África
do Sul e especialista do apartheid, disse que "as leis e as práticas de
Israel" nos territórios ocupados "certamente se assemelham em muitos
aspectos ao apartheid".
O elemento comum de ambos os
sistemas é a consolidação e implementação da desapropriação, assegurar o
controle, acesso à terra e dos recursos naturais para um grupo em detrimento de
outro. No entanto, existem
também diferenças importantes.
Enquanto o sistema do apartheid
exigia o trabalho dos sul-africanos, nas colônias sionistas na Palestina a
população local de não-judeus é considerada de uma forma muito diferente: como
um grupo que deve ser expulso ao invés de explorados. A razão porque hoje,
dentro dos fronteiras de Israel anteriores a 1967 existe uma maioria judaica é
porque a maioria dos palestinos que tinham sido os cidadãos do novo estado
foram objeto de uma limpeza étnica,
suas aldeias destruídas e suas terras expropriadas.
Embora existam muitos exemplos de
segregação e discriminação institucionalizadas de fato dentro das fronteiras
de Israel pré-1967, a comparação do apartheid começou realmente a tomar força
quando Israel expandiu sua colonização e o controle da Cisjordânia ocupada e a
faixa de Gaza. O apartheid era, em certo sentido, um "plano B": uma
maneira de manter a hegemonia e controle judeu – a proteção de etnocracia -
quando diretamente, expulsões em massa não era uma opção factível.
Um acadêmico
israelense, Oren Yiftachel, descreveu a situação em Israel e nos territórios
ocupados - falando deles como uma única unidade — como um apartheid
"progressivo", no sentido de que, ao longo do tempo, surgiu um estado
de fato do Rio Jordão ao mar Mediterrâneo, onde são negados ou são concedidos
direitos diferentes para os árabes e os palestinos, por meio de cartões de identificação,
localização, etc.
A ocupação
israelense da Cisjordânia, que em 2017 completará meio século, tornou-se um
complexo sistema de controle e exclusão, com colonos judeus que vivem entre os
palestinos "não cidadãos" cuja liberdade de viver em sua própria
terra é gerenciada por um sistema burocrático de apartheid de
"permissões" e obstáculos físicos.
Ironicamente, foi durante o chamado processo
de paz de Oslo que os elementos da comparação com o apartheid na África do Sul
começaram a ser ainda mais claros.
Em 1984,
Desmond Tutu escreveu que os territórios autônomos chamados - bantustões[3]
- promovidos pelo regime do apartheid foram privados da “integridade
territorial ou esperança de viabilidade econômica”. Eram, escreveu,
simplesmente "territórios fragmentados e descontínuos, que se encontram em
áreas improdutivas e marginais do país” com “nenhum controle” sobre os recursos
naturais ou acesso para as "águas territoriais". Isto poderia ter
sido escrito hoje sobre os territórios ocupados na Palestina.
Não apenas os métodos
de repressão israelense tem paralelos com o regime histórico na África do Sul,
políticas condenadas no ano passado pela Comitê das Nações Unidas sobre a
Eliminação da Discriminação Racial em termos de "segregação" e como
uma violação da proibição do "apartheid".
Israel no ano
de 2013 se faz eco dos diplomatas de Pretória do passado quando se trata de
propaganda.
Assim, por exemplo, como nos anos 1970 e 1980, hoje
o ministério israelita dos assuntos estrangeiros afirma que um boicote dos
produtos produzidos nos assentamentos prejudica em primeiro lugar e antes de
tudo aos de trabalhadores palestinos. Ainda mais revelador é que alguns
políticos e personalidades israelenses, dêem hoje a voz de alarme sobre taxas
de natalidade palestinas, a igualdade e a perspectiva de uma solução de um
único Estado democrático em termos de "suicídio nacional", o mesmo
discurso usado pelos apologistas da apartheid na África do Sul.
Para os sul-africanos, cuja memória do apartheid
permanece intacta, Israel é um alvo, não só porque é um exemplo de um sistema
repudiado, mas porque para a população indígena colonizada o apartheid de hoje
é pior. Um editor de jornal Sul-Africano, Mondli Makhanya, salientou em 2008
depois de uma viagem ao Oriente Médio: "Parece-me que os israelitas
desejam que os palestinos desapareçam. Nunca houve nada assim em nosso caso. Os
brancos não esperava fazer desaparecer os negros".
Dos combatentes veteranos e líderes como Nelson
Mandela, Desmond Tutu e Ronnie Kasrils, aos ativistas de direitos humanos, que
trabalham em iniciativas como a BDS sul-africana e Open Shuhada Street,
campanhas em favor dos direitos palestinos, há um reconhecimento de que os
palestinos enfrentam uma luta pela dignidade, pela igualdade – e pela própria
vida - semelhante a que se levou a cabo, e se venceu, na África do Sul.
*Ben White é um jornalista independente e autor de Apartheid
israelense: um guia para principiantes e os palestinos em Israel: segregação,
discriminação e democracia.
Mantém um blog com
artigos e análises sobre a Palestina e Israel em benwhite.org.uk
Fonte original: Israel’s similarity to South Africa’s apartheid is
more than skin-deep.
Tradução para o espanhol de palestinalibre.org.
Tradução para o espanhol de palestinalibre.org.
Tradução
para o português de Zeforni@cpovo.net
[1] NT –
conferir suas propostas e ações em http://boicotisrael.net/
[2] NT – sem
edição no Brasil
[3]
NT - Na época do Apartheid sul-africano, o governo fez uma tentativa de dividir
o Estado da África do Sul em várias republiquetas. Aproximadamente 87% das
terras era para habitação dos brancos, indianos e mestiços, restando 13% que
foi dividido em dez pátrias para os negros (80% da população), às quais era
dada uma suposta independência e autonomia teórica. O objetivo na verdade, era
de manter os negros longe das terras e bairros que eram habitados por brancos.
Apesar da distância, os negros ainda tinham contato com estes locais, mas
apenas por servirem como mão-de-obra barata.