29 novembro 2014

Similitudes entre o apartheid em Israel e a África do Sul (Ben White)


(Artigo publicado originalmente em http://www.thenational.ae/thenationalconversation/comment/israels-similarity-to-south-africas-apartheid-is-more-than-skin-deep#page2 )  
Tradução ao português de zeforni@blogspot.com
A medida que o mundo reflete sobre o legado de Nelson Mandela e sua luta contra o apartheid na África do Sul, algumas pessoas se recordam de sua famosa observação: “Sabemos muito bem que nossa liberdade está incompleta sem a liberdade dos palestinos”.

Esse vínculo especial entre os povos e sua lutas nacionais contribuiu para aumentar os esforços sul-africanos para questionar os contínuos abusos dos direitos humanos e a sistemática discriminação a que são submetidos os palestinos.
Há algumas semanas o embaixador da África do Sul em Israel aproveitou a oportunidade de sua partida para criticar as políticas israelenses como “uma réplica do apartheid”. Ismail Coovadia também rechaçou uma homenagem de 18 árvores plantadas em seu nome pelo Fundo Nacional Judeu, uma organização que tem desempenhado um papel importante nos deslocamentos dos palestinos.
Não são muitos países que tem embaixadores que falem de suas políticas em termos de apartheid. Vindo de um diplomata sul-africano respeitado a afirmação é ainda mais dolorosa. É um reflexo de como os políticos da África do Sul e da sociedade civil adotam cada vez mais a solidariedade com os palestinos e tomando a dianteira em termos de BDS (Boicot, Desinversión y Sanciones) [1] e iniciativas relacionadas
Pretoria tem exigido a rotulagem dos produtos dos assentamentos apesar de uma importante pressão para não faze-lo. Também tem havido notáveis expressões de apoio ao boicote palestino nas universidades e nos sindicatos.
Isto acontece enquanto as políticas de Israel para os palestinos são qualificadas, cada vez com maior frequência, em termos de apartheid pelos observadores na Palestina e Israel e no âmbito internacional.
Na África do Sul existe uma recordação da histórica relação de Israel com o regime do apartheid. (Um ponto de referência excelente sobre o tema é o livro The Unspoken Alliance: Israel’s Secret Relationship with Apartheid South Africa de Sasha Polakow-Suransky)[2]
A relação de Israel com o regime do apartheid começou em meados dos anos 1970 com o intercâmbio de tecnologia militar e inteligência. Para alguns funcionários de ambos ao lados, havia também um componente ideológico. O primeiro ministro sul-africano Hendrik Verwoerd, por exemplo, afirmou que os judeus tornaram Israel dos árabes depois que os árabes haviam vivido ali durante 1000 anos. Israel como África do Sul, é um estado de apartheid.
Durante um período de cerca de 15 anos, exemplos da estreita relação incluiram um pacto de 1975 assinado por Shimon Peres e o então Ministro de defesa Sul-Africano PW Botha e a colaboração da indústria de defesa de Israel do regime do apartheid para evitar sanções internacionais. "A colaboração com o regime racista da África do Sul" por Israel, foi condenada na assembleia geral da ONU.
No entanto, o que realmente atingiu muitos na África do Sul e em outros lugares, são as semelhanças entre o sistema do apartheid lá estabelecido e as políticas atuais de Israel para com os palestinos.
Em 2002, o arcebispo Desmond Tutu escreveu um artigo chamado Apartheid na Terra Santa e disse que em sua recente viagem à Israel/Palestina tinha recordado "muito o que aconteceu para nós com os negros na África do Sul". Em 2007, o relator sobre os direitos humanos das Nações Unidas, John Dugard, professor de direito da África do Sul e especialista do apartheid, disse que "as leis e as práticas de Israel" nos territórios ocupados "certamente se assemelham em muitos aspectos ao apartheid".
O elemento comum de ambos os sistemas é a consolidação e implementação da desapropriação, assegurar o controle, acesso à terra e dos recursos naturais para um grupo em detrimento de outro. No entanto, existem também diferenças importantes.
Enquanto o sistema do apartheid exigia o trabalho dos sul-africanos, nas colônias sionistas na Palestina a população local de não-judeus é considerada de uma forma muito diferente: como um grupo que deve ser expulso ao invés de explorados. A razão porque hoje, dentro dos fronteiras de Israel anteriores a 1967 existe uma maioria judaica é porque a maioria dos palestinos que tinham sido os cidadãos do novo estado foram objeto de uma  limpeza étnica, suas aldeias destruídas e suas terras expropriadas.
Embora existam muitos exemplos de segregação e discriminação institucionalizadas de fato dentro das fronteiras de Israel pré-1967, a comparação do apartheid começou realmente a tomar força quando Israel expandiu sua colonização e o controle da Cisjordânia ocupada e a faixa de Gaza. O apartheid era, em certo sentido, um "plano B": uma maneira de manter a hegemonia e controle judeu – a proteção de etnocracia - quando diretamente, expulsões em massa não era uma opção factível.
Um acadêmico israelense, Oren Yiftachel, descreveu a situação em Israel e nos territórios ocupados - falando deles como uma única unidade — como um apartheid "progressivo", no sentido de que, ao longo do tempo, surgiu um estado de fato do Rio Jordão ao mar Mediterrâneo, onde são negados ou são concedidos direitos diferentes para os árabes e os palestinos, por meio de cartões de identificação, localização, etc.
A ocupação israelense da Cisjordânia, que em 2017 completará meio século, tornou-se um complexo sistema de controle e exclusão, com colonos judeus que vivem entre os palestinos "não cidadãos" cuja liberdade de viver em sua própria terra é gerenciada por um sistema burocrático de apartheid de "permissões" e obstáculos físicos.
 Ironicamente, foi durante o chamado processo de paz de Oslo que os elementos da comparação com o apartheid na África do Sul começaram a ser ainda mais claros.
Em 1984, Desmond Tutu escreveu que os territórios autônomos chamados - bantustões[3] - promovidos pelo regime do apartheid foram privados da “integridade territorial ou esperança de viabilidade econômica”. Eram, escreveu, simplesmente "territórios fragmentados e descontínuos, que se encontram em áreas improdutivas e marginais do país” com “nenhum controle” sobre os recursos naturais ou acesso para as "águas territoriais". Isto poderia ter sido escrito hoje sobre os territórios ocupados na Palestina.
Não apenas os métodos de repressão israelense tem paralelos com o regime histórico na África do Sul, políticas condenadas no ano passado pela Comitê das Nações Unidas sobre a Eliminação da Discriminação Racial em termos de "segregação" e como uma violação da proibição do "apartheid".
Israel no ano de 2013 se faz eco dos diplomatas de Pretória do passado quando se trata de propaganda.
Assim, por exemplo, como nos anos 1970 e 1980, hoje o ministério israelita dos assuntos estrangeiros afirma que um boicote dos produtos produzidos nos assentamentos prejudica em primeiro lugar e antes de tudo aos de trabalhadores palestinos. Ainda mais revelador é que alguns políticos e personalidades israelenses, dêem hoje a voz de alarme sobre taxas de natalidade palestinas, a igualdade e a perspectiva de uma solução de um único Estado democrático em termos de "suicídio nacional", o mesmo discurso usado pelos apologistas da apartheid na África do Sul.
Para os sul-africanos, cuja memória do apartheid permanece intacta, Israel é um alvo, não só porque é um exemplo de um sistema repudiado, mas porque para a população indígena colonizada o apartheid de hoje é pior. Um editor de jornal Sul-Africano, Mondli Makhanya, salientou em 2008 depois de uma viagem ao Oriente Médio: "Parece-me que os israelitas desejam que os palestinos desapareçam. Nunca houve nada assim em nosso caso. Os brancos não esperava fazer desaparecer os negros".
Dos combatentes veteranos e líderes como Nelson Mandela, Desmond Tutu e Ronnie Kasrils, aos ativistas de direitos humanos, que trabalham em iniciativas como a BDS sul-africana e Open Shuhada Street, campanhas em favor dos direitos palestinos, há um reconhecimento de que os palestinos enfrentam uma luta pela dignidade, pela igualdade – e pela própria vida - semelhante a que se levou a cabo, e se venceu, na África do Sul.


*Ben White é um jornalista independente e autor de Apartheid israelense: um guia para principiantes e os palestinos em Israel: segregação, discriminação e democracia.
Mantém um blog com artigos e análises sobre a Palestina e Israel em benwhite.org.uk

Fonte original: Israel’s similarity to South Africa’s apartheid is more than skin-deep.
Tradução para o espanhol de palestinalibre.org.
Tradução para o português de Zeforni@cpovo.net


[1] NT – conferir suas propostas e ações em http://boicotisrael.net/
[2] NT – sem edição no Brasil
[3] NT - Na época do Apartheid sul-africano, o governo fez uma tentativa de dividir o Estado da África do Sul em várias republiquetas. Aproximadamente 87% das terras era para habitação dos brancos, indianos e mestiços, restando 13% que foi dividido em dez pátrias para os negros (80% da população), às quais era dada uma suposta independência e autonomia teórica. O objetivo na verdade, era de manter os negros longe das terras e bairros que eram habitados por brancos. Apesar da distância, os negros ainda tinham contato com estes locais, mas apenas por servirem como mão-de-obra barata.

Nenhum comentário: