Preparando para as celebrações do dia da consciência
negra
Hamilton
Naki, um sul-africano negro, de 78 anos, morreu no final de maio de 2005. A
notícia não rendeu manchetes, mas a história dele é uma das mais
extraordinárias do século 20. "The Economist" contou-a em seu
obituário de setembro daquele ano.
Naki
era um grande cirurgião. Foi ele quem retirou do corpo da doadora o coração
transplantado para o peito de Louis Washkanky, em dezembro de 1967, na cidade
do Cabo, na África do Sul, na primeira operação de transplante cardíaco humano
bem-sucedida.
É um
trabalho delicadíssimo. O coração doado tem de ser retirado e preservado com o
máximo cuidado. Naki era talvez o segundo homem mais importante na equipe que
fez o primeiro transplante cardíaco da história. Mas não podia aparecer porque
era negro no país do apartheid.
O
cirurgião-chefe do grupo, o branco Christian Barnard, tornou-se uma celebridade
instantânea. Mas Hamilton Naki não podia nem sair nas fotografias da equipe.
Quando
apareceu numa, por descuido, o hospital informou que era um faxineiro. Naki
usava jaleco e máscara, mas jamais estudara medicina ou cirurgia.
Tinha
largado a escola aos 14 anos. Era jardineiro na Escola de Medicina da Cidade do
Cabo. Mas aprendia depressa e era curioso. Tornou-se o faz-tudo na clínica
cirúrgica da escola, onde os médicos brancos treinavam as técnicas de
transplante em cães e porcos.
Começou
limpando os chiqueiros. Aprendeu cirurgia assistindo experiências com animais. Tornou-se um cirurgião excepcional, a tal
ponto que o cirurgião chefe de transplante, o jovem, bonito e notoriamente temperamental Christiaan Barnard requisitou-o para sua equipe.
Era
uma quebra das leis sul-africanas. Naki, negro, não podia operar pacientes nem
tocar no sangue de brancos. Mas o hospital abriu uma exceção para ele.
Virou
um cirurgião, mas clandestino. Era o melhor, dava aulas aos estudantes brancos,
mas ganhava salário de técnico de laboratório, o máximo que o hospital podia
pagar a um negro. Vivia num barraco sem luz elétrica nem água corrente, num
gueto da periferia.
Depois
que o apartheid acabou, ganhou uma condecoração e um diploma de médico
honorário.
Ele
nunca reclamou das injustiças que sofreu durante toda a vida.
Este
assunto foi matéria de quase todos os grandes jornais norte-americanos. Mas não
se tem notícia de sua divulgação na imprensa brasileira.
Muitas vezes, fazer o trabalho de destruir um pensamento, ou uma cultura, ou ao "outro", basta contribuir para o seu esquecimento. Então é nossa obrigação fazer lembrar.
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