31 outubro 2019

Halloween - Uma questão de importação




Nem sempre usar a expressão "macaquice" significa que estamos tratando de brincadeiras. Pode ser a expressão jocosa da repetição sem crítica, sem reflexão, de algo que nos apresentam.

As crianças, e sendo pai de quatro vivenciei isso em diferentes épocas, por um certo tempo, vivem questionamentos sistemáticos, contínuos. Como se a pergunta, em si só, fosse o centro do assunto. Muitas vezes nos parece que não querem a resposta. Precisam fazer a pergunta, tão somente. Mas não. São nossas respostas que não a satisfazem. Acredito que esse momento em suas vidas encerra, no ato de perguntar, tudo pelo que passa. Quem sou, de onde vim, onde estou, como sou ou serei. Aprende, perguntando, a ser e estar no mundo. Aos adultos nos cabe incentivar e qualificar esses questionamentos para que construa as respostas também de si mesma. Só que isso, por vezes, é abortado. Quando cerceamos o espaço da pergunta, censuramos o universo criativo da criança. E se, na mesma direção, não oportunizamos resposta adequada às questões e à sua idade emocional, não contribuímos para a formação de cidadãos com visão crítica.

Uma das preocupações que tenho na educação de crianças é com o incentivo a serem construtoras de sua própria identidade. Somos filhos e filhas de um país com uma diversidade enorme de expressões culturais. Na verdade, somos o país da festa. E quando vejo, especialmente pelas pessoas com mais acesso à informação, fazerem a importação e repetição de gestos, expressões e celebrações sem fazerem o mínimo de reflexão sobre elas, me entristeço.

Pois outro dia me deparei com a expressão "halloween". Já faz algum tempo que esse assunto provoca minhas idéias e coça meus dedos. Agora, em nome de meus menores, Pedro e Davi vou deixar as palavras serem minhas confidentes gráficas.

Este tal Hallowenn é um evento originário entre os druidas celtas, povo que habitava a Irlanda e a Grã-Bretanha, sendo comemorado desde há 2.500 anos. Acreditavam que na noite de 31 de outubro (ou o equivalente à data) as leis do tempo e do espaço eram suspensas. Por causa disto, os espíritos vagavam soltos e os mortos visitavam seus antigos lares para exigirem comida. Havia também nessa época o festival da colheita, conhecido como "Samhain", chamado também "O Senhor dos mortos", quando se faziam grandes fogueiras para assustar os espíritos. Para que estes fossem embora, as pessoas saiam às ruas carregando velas acesas e nabos esculpidos com rostos humanos, vestidos de modo mais assustador possível. Faziam também muito barulho.

Nos Estados Unidos da América do Norte o halloween chegou no século 19, e o nabo foi substituído pela abóbora, fruto mais comum que o nabo. Na década de 20 a antiga tradição virou brincadeira e hoje é uma das principais festas daquele país. Crianças saem fantasiadas pelas ruas, batendo nas portas, dizendo “trick or treat” literalmente “doçuras ou travessuras”, para ganhar doces, tudo isto nos dia das bruxas.

Dia das bruxas? Vejamos: As bruxas modernas tendem a se referir à sua religião como wicca, a forma feminina de wicce - do inglês antigo, que significa witch - bruxa. Tanto os seguidores do sexo masculino quanto do feminino são conhecidos como bruxas e bruxos, embora o culto seja decididamente matriarcal, onde a suprema sacerdotisa de cada convenção é vista como a personificação - em alguns ritos, até mesmo como encarnação - da grande mãe deusa, que é a divindade principal do movimento. Os maiores festivais da bruxaria moderna são sazonais. Marcam o equinócio da primavera em 21 de março, Beltane em 30 de abril, o solstício de verão em 22 de junho, Lammastide em 1º de agosto, o equinócio de outono em 21 de setembro, o Halloween em 31 de outubro, o solstício de inverno em 21 de dezembro e Candlemas em 2 de fevereiro. As atividades da bruxaria são essencialmente atribuídas às mulheres.

Algumas bruxas trabalham vestidas com manto, outras nuas,  e outras das duas maneiras, dependendo das condições meteorológicas. Apesar dos aspectos de fertilidade do culto, há pouco sentido sexual na nudez, que é adotada por causa da crença das bruxas, que as roupas interferem na emanação da energia pessoal. Atribui-se às bruxas evocar os 'poderosos', os soberanos, e os elementais da Terra, do Ar, do Fogo e da Água. Fazem parte das cerimônias os ritos de possessão mediúnica de muitas religiões xamânicas.

É certo que na inquisição, mulheres velhas, solitárias e as parteiras, entre outras eram acusadas de bruxaria, e por isso foram queimadas e torturadas simplesmente porque eram denunciadas por seus vizinhos com quem não tinham um bom relacionamento ou porque detinham algo muito perigoso para as mulheres da época: o conhecimento.

Eis o recorte que quero fazer. Aquelas mulheres, que os contos ocidentais se encarregaram de retratar como absurdamente feias e rancorosas, e que até comiam criancinhas (ver a história de João e Maria) perseguidas e exterminadas continuam sendo até hoje.  O halloween não deixa de ser a perpetuação do deboche ao diferentes pelo viés de expressão cultural, realidade esta que vem se intensificando no Brasil a cada ano que passa. Um dos focos são as escolas de inglês, que incentivam seus alunos a participarem das tais "festividades". Empresas, comunidades, entre outros, promovem o halloween no Brasil, e é cada vez mais comum ouvirmos nas ruas frases como "feliz halloween!". Mas como pode ser feliz um procedimento com as bases que tem, se faz apologia ao terror?.
Aliás, está na mesma linha de ética de conhecidos desenhos infantis(?), Street-racer, Pokémon, etc, que pais e mães permitem serem assistidos. Ao mesmo tempo em que parecem uma inocente e pueril brincadeira trazem relações de violência, banalização da dor e dos instrumentos que a geram.

E de novo os órgãos de imprensa se prestam a divulgar o evento dando a ele um veio cultural, quando na realidade é um cerimonial funesto.

Será que não temos alternativas com criatividade e ligação com NOSSA história?

Será que depositamos nossos filhos em instituições somente para "quebrar nosso galho" quanto ao tempo de ficar com eles para que possamos produzir, ganhar dinheiro e gastar com esses valores que tentam fazer engolirmos sem pensar? Pois essa é a lógica desse pensamento mercantil. Cria-se um fato cultural (mesmo que não exista) e contabilizamos em cima dele.

Não desejo educar filhos em redoma de vidro. Seria uma violência para com eles. Então essas perguntas me trouxeram aqui.

Como disse no título, é uma questão de importação. E se é verdade, poderemos pensar em "exportar" o Boi-da-Cara-Preta, O Saci-Pererê, o Sucupira e tantos outros personagens imaginários da cultura  brasileira que até poderemos mudar a balança comercial tal a diversidade existente.

Então que pelo menos que minha contribuição abra espaço para a discussão desses valores pois, afinal, quem vê, o faz a partir de um ponto e mudando o ponto podemos mudar o modo de ver....




* José Antonio Ramalho Forni é Pedagogo, pai de quatro filhos, dois netos, militar da reserva.
  

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